Crédito: Leopoldo Conrado Nunes
Mario Helio Gomes de Lima
Os judeus integram Pernambuco, desde a chegada dos primeiros colonizadores, no século 16. O momento mais notável disso deu-se logo no século seguinte, quando da invasão e ocupação neerlandesas. Junto à História – na verdade, inseparável dela – há uma Geografia e uma Antropologia fundamentais para compreender as presenças e ausências num lugar.
Atualmente, há uns sinais explícitos, e outros sutis da presença judaica na cidade que o poeta Carlos Pena Filho disse que é “metade roubada ao mar, metade à imaginação”. O mais chamativo é o da rua do Bom Jesus, no bairro do Recife, bem perto do cais e do Marco Zero. A sinagoga antiga, chamada de Kahal Zur Israel – comunidade ‘rochedo de Israel’ – que foi transformada num misto de arquivo histórico e museu.
Só o fato de saber que o seu primeiro rabino foi Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693) já justifica saber mais sobre o lugar. Ele viveu no Recife por 13 anos. Entre outras menções ao seu nome, está o de autor do primeiro poema em hebraico das Américas e de haver atuado contra o grande filósofo Baruch de Espinosa (1632-1677).
A rua do Bom Jesus, que também já se chamou rua da Cruz, era antigamente conhecida como rua dos Judeus. Talvez, deste modo, emulando a de igual denominação existente em Amsterdam, a respeito da qual o redator do Jornal do Recife, no fim do século 19, anotou esta informação pitoresca:
“Na rua dos Judeus, na cidade de Amsterdam, encontra-se uma tabuleta com a seguinte inscrição, que chama a atenção dos viajantes: ‘Levi Roboam, negociante de tabocas, brinquedos para crianças, legumes em conserva e ferros velhos, presta-se a fazer qualquer serviço de que seus vizinhos careçam, tira a pevide de galinhas, e corta cauda aos cães e gatos. Sua mulher tem escola para meninas, deita sanguessugas, e lê as cartas às pessoas analfabetas.’”
Há a curiosidade de haver ali na rua dos Judeus residido João Fernandes Vieira, que atuou na expulsão dos holandeses e, por tabela, também dos judeus. No Almanaque de Pernambuco, edição de 1902, dirigido por Júlio Pires Ferreira, há esta nota;
“João Fernandes Vieira voltando de Angola em 1662, residiu a principio na rua dos judeus, hoje rua do Bom Jesus, na casa que havia sido sinagoga no tempo dos holandeses e tem hoje o n. 26; depois passou-se até sua morte para a cidade de Olinda, ocupando a casa da rua de S. Bento, que tem agora o n. 2 e na qual o Instituto mandou em 1864 colocar uma lápida comemorativa, quando era propriedade de Antonio Ramos. Também lhe pertenceu a casa n. 23 da rua de São Bento; ambas foram vendidas depois de sua morte para pagamento de legados.”
Depois de visitar essa construção do século 17 pode-se rumar a um monumento inaugurado em 2022, que remete àquele século. Especificamente ao momento em que terminada a etapa holandesa, os judeus naquele então foram obrigados a sair do Recife. Trata-se do Memorial Judaico. Uma escultura em aço posta na Praça Tiradentes, no Cais do Apolo (Recife). A iniciativa é de membros de duas instituições não governamentais: Glória em Vez de Cinzas e Portal de Avivamento.
Além dessas construções de interesse diretamente histórico e turístico, a etnografia da presença judaica no Recife pode ser feita em diversas outras construções, como sinagoga, escola, cemitério. Portanto, os interessados nos eixos diacrônico e sincrônico, no seu entrecruzamento ou não, podem encontrar vestígios e espaços vivos da ação judaica no Recife. Tanto remetendo aos sefaraditas (origem principal: Península Ibérica: o caso da Kahal Zur Israel, já citada) quanto aos asquenazes (origem principal: comunidades judaicas da Europa Central e do Leste Europeu). Como é a casa onde viveu a escritora russa/ucraniana, naturalizada brasileira, Clarice Lispector. Ali, na praça Maciel Pinheiro, há também uma escultura em sua homenagem.