Mario Helio Gomes de Lima
O símbolo do III Congresso Internacional de Judaísmo e Interculturalidade é uma estilização visual de um objeto em bronze com 20 cm, que fez parte de uma exposição realizada há mais de vinte anos pelo Museu Arqueológico de Madri. Proveio então de uma coleção particular de Israel, e está datado do século XX. É a “mão” khamsa, Jamsa (ou hamsah).
A escolha dessa mão como o símbolo do III Congresso Internacional de Judaísmo e Interculturalidade tem a ver diretamente com sua antiguidade e ser comum a múltiplas culturas, inclusive, obviamente, a judaica.
Ainda que seja mais difundida como hamsa e Mão de Fátima, e vários autores tentem situar sua origem na Idade Média, tal “mão” remonta a datas muito mais longínquas. Há exemplos dos tempos pré-históricos e das culturas sumérias e babilônicas.
Na Gruta de Cosquer, na França, a mão em “negativo”, datada de 27 mil anos, as mãos em Altamira, em torno dos 20 mil anos, as da Cueva de las Manos, na Patagônia, de prováveis 10 mil anos, são apenas alguns exemplos.
Pode-se dizer que pela “mão” nasce e se desenvolve a humanidade. Foi a partir do movimento das mãos que se fez o fogo, e com elas também as ferramentas: de objetos de sílex ao celular ou computador em que este texto foi escrito e é agora lido.
É riquíssimo o simbolismo da mão, e cada uma das suas representações tem significados distintos, conforme a cultura, o contexto e até a posição.
No Cristianismo, por exemplo, simboliza o poder. A mão direita remete à ordem do mundo. É a mão da bênção. Daí o famoso soneto de Antero de Quental:
“Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
“Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
“Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
“Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!”
A mão esquerda, por sua vez, igualmente no Cristianismo, se associa à Graça Divina.
Não chega a surpreender, dada a sua importância simbólica e efetiva, mas a mão é mencionada mais de 1.600 vezes no Antigo Testamento, no hebraico יד (yád, “mão”). No Novo Testamento, que foi escrito em grego, há quase duas centenas de vezes a menção à palavra: χείρ, χειρός cheír, cheirós. É da mão em grego que deriva a prática tão conhecida da quiromancia.
Há também um forte simbolismo das mãos refletido no poema “La mano izquierda de Amparo Ochoa”, de Susana García Ruiz, que diz: “La mano izquierda de Amparo Ochoa/ me persigue, me hechiza e libera./ La mano izquierda de Amparo Ochoa/ es un lirio moreno sobre la frente desvivida (…) Llevo su mano izquierda/ de amuleto. Esos cinco claveles/ me han salvado.”
A menção a amuleto nos traz de volta à mão hamsa, frequentemente usada como amuleto.
Diz a canção brasileira, do gênero soul, composta por Hyldon:
“Jogue suas mãos para o céu
E agradeça se acaso tiver
Alguém que você gostaria que
Estivesse sempre com você”
Isso de “jogar” as mãos para o céu é tão antigo quanto a humanidade, e está associado à fé. Há quem diga – embora seja fácil deduzir de uma antiguidade muito maior – que o gesto de Moisés levantando as mãos aos céus em sinal de oração e intersecção, com o subsequente aplauso do povo, aclamando-o, teria sido um dos pontos de partida para entender-se a mão como um amuleto.
No site El reto histórico tem-se uma série de exemplos bem ilustrado do simbolismo das mãos. Menciona, por exemplo, a mão vinculada ao culto fenício de Tanit (deusa associada à Lua e à Terra; portanto, ao amor carnal e à fertilidade).
Jamsa ou Hamsa, entre outros sentidos, remete ao autocontrole. O nome literal – cinco – hamsa, costuma ser associado aos cinco pilares do Islão, e também ao Pentateuco, ou seja, à Torá. Mas é importante ressaltar que esse símbolo não representa o judaísmo nem o islamismo. Trata-se de uma derivação popular da ideia de proteção divina, e, amiúde, se liga a amuletos e talismãs, dentro, portanto, da superstição, a que são tão contrários os judeus e muçulmanos. Por conseguinte, é na derivação simbólica de fundo supersticioso que a mão é usada como proteção contra o mau olhado. Se há um olho no centro da palma da mão significa proteção contra as enfermidades.
É importante também ressaltar que a Mão de Fátima se origina, na verdade, antes de tudo, na ideia de Mão de Deus. Está conhecida essa representação de, pelo menos, o século VI, antes da era cristã. Por exemplo, nos mosaicos postos na sinagoga de Beit Alfa na Galileia (Israel), e, do século III a.C., nos afrescos da sinagoga de Dura Europos, na Síria.
Por que é Mão de Fátima essa determinada mão? A Fátima da Mão de Fátima não é a Fátima tão famosa de Portugal, e sim a Fátima az-Zahra, a quarta filha do Profeta (Mahoma, Muhammad).
Uma das explicações mais populares e pitorescas para a origem desse símbolo é bem cotidiana e humana: Fátima preparava o jantar, quando viu o marido com uma concubina, e, mordendo-se de ciúmes, não chegou a perceber que havia mergulhado a mão na sopa quente. Dando-se conta da dor que provocava – não simplesmente, na mão queimada, mas no coração – o marido de Fatima decidiu deixar a concubina mais jovem.
Depreende-se da anedota a importância da paciência, e da persistência, que resultam em alegria, sorte e riqueza.
Há muitas outras associações da mão, em plano narrativo. Se for necessário eleger-se uma motivação simpática e informal, que seja a de proteção, inclusive deste III CIJI.